segunda-feira, junho 06, 2005

Superwoody
por Arnaldo Bloch
É fácil para Woody Allen saltar da tragédia para a comédia sem transição, ou, sem que percebamos, transformar o trágico no cômico, o cômico no trágico, o malfeito no sublime, o sublime em quinta categoria, a história esdrúxula em discurso shakespeariano, a arte das palavras em padrões exatos de lixo hollywoodiano... sem trocadilhos, por favor.
Por isso, cada vez que vou ver um novo filme de Woody Allen dirijo-me à sala de cinema como que movido por um dever. Um tributo que presto à inteligência, à fidelidade artística, à seriedade de princípios, e, mesmo, à própria grandeza humana, pois ser humano também é resistir a modelos absolutos.
Sinto-me como se fosse presenciar, na tela, algo raro, espécie de pensar e de dizer em franca extinção, da qual é preciso guardar os últimos registros, para a posteridade.
Lembro-me de uma crônica de Arthur Dapieve que descreve com precisão esse sentimento. O cronista citava Woody Allen como aqueles indivíduos que temos medo de perder. Dizia ter medo que Allen morresse, pois a partir deste dia o mundo e a civilização deixariam de ser os mesmos, teriam perdido uma porção considerável de sua essência.
Como o Dapieve, tenho medo que Woody Allen morra. Não é idolatria. Não enxergo nele um mito, não tremeria se diante dele estivesse. A dor da perda estaria mais relacionada com aquilo que ele pensa e expressa e, sobretudo, a maneira peculiar com que o faz. Pois hoje o pensamento do artista e a sua peculiaridade diluem-se com freqüência em formatos que fazem com que uma obra se pareça com todas as outras, feitas para um público pouco ansioso por novidade, por confronto de idéias, por reflexão, pelo rir que significa também saber, pelo choro que não alivia a angústia. Do outro lado, temos a experimentação e as vanguardas, umas autoproclamadas, outras ainda não sabidas, restritas a um público extremamente reduzido.
Allen é dos últimos cineastas que ainda sabem comunicar-se com o público concentrando em centímetro de película alto grau de reflexão e estilo. Ouvi-lo, mesmo quando não atua (caso de “Melinda e Melinda”), é privilégio que não se deve desperdiçar.

Nenhum comentário: