Deus e o Diabo em Los Angeles
Ricardo Calil
11.03.2005 | “Constantine", que estréia hoje no Brasil, é um objeto raro na Hollywood de hoje: um filme de ação com mais idéias do que efeitos especiais. Seu principal inconveniente talvez seja justamente ter idéias demais, o que por vezes atravanca sua narrativa. Mas antes pecar pelo excesso do que pela ausência, como ocorre com a maioria das produções americanas atuais.
Baseado no clássico das histórias em quadrinhos “Hellblazer”, de Alan Moore, “Constantine” passeia por diferentes gêneros (do thriller sobrenatural ao filme noir), abriga diversas referências (de “O Exorcista” à série James Bond), bebe em variadas fontes visuais (do pintor medieval Hieronymus Bosch a videoclipes contemporâneos). Mas o maior interesse de “Constantine” reside na sua visão original e sincrética da religiosidade. A idéia central do filme se baseia em um conceito católico bastante conhecido: os suicidas não podem ir para o céu. Mas também há algo de espiritismo, santeria e satanismo nas entrelinhas.
A produção provavelmente não irá agradar aos fãs de “Hellblazer”, mas deverá divertir bastante os não-iniciados. O filme tomou várias liberdades com o original. Para começar, o protagonista da HQ era inglês e loiro. E a história do câncer no pulmão foi inventada para que Hollywood conseguisse emplacar um protagonista viciado em nicotina (o que transforma “Constantine” na mais cara e sofisticada campanha antitabagista da história). Mas o filme manteve a visão amarga e irônica da religião, essencial para os quadrinhos. O anjo Gabriel (Tilda Swinton) é sexual e moralmente ambíguo, o diabo (Peter Stormare) é um sujeito afável que se veste todo de branco, e o personagem Papa Midnight (Djimon Hounsou) lembra muito um pai de santo.
Já o protagonista Constantine (muito bem defendido por Keanu Reeves) é um caso clássico de católico culpado e relutante, um anti-herói que busca a salvação não porque tem fé em Deus, mas apenas porque não lhe agrada o inferno.
O diretor Francis Lawrence às vezes se perde um pouco na sinuosidade da trama, mas consegue produzir um visual bastante sofisticado, em especial nas cenas do inferno, que lembram os quadros de Bosch. Em um caso incomum, os efeitos especiais ajudam a narrativa, em vez de substituí-la.
“Constantine” é ao mesmo tempo pop e erudito, confuso e inspirado, religioso e profano. É também a primeira grande surpresa do cinema hollywoodiano a chegar ao Brasil neste ano. Que venham outras.
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