quinta-feira, abril 22, 2004

Hoje eu não iria postar nada, porque simplesmente me sinto meio vazia e sem sentido, mas abri essa página: Crônica do Dia e li esse "Retrato Dominical", que poderia ter sido escrito por mim, mas na verdade quem o escreveu foi a Debora Bottcher e poderia ser minha descrição, se ela me conhecesse.

A moça olha para a casa brevemente desalinhada. Tem um quê de seu desgoverno interior. Nas últimas semanas, o tempo se misturou. "O passado sempre volta para acertar suas contas...", é a frase que ouviu outro dia — talvez num filme, não lembra bem. Ficou gravada na memória e, de repente, o discurso breve ganhou proporções quase de verdade absoluta.

Tem horas em que a vida dá uma estagnada. A moça está vivendo esse dilema. Tem a ver com sonhos esquecidos, coisas que desejou e deixou pra trás. Tem a ver com sua incompreensão da vida, o natural medo da morte, a contradição que mora no amor, no ódio, na raiva, o ressentimento exposto, o enrustido, esquecido, só parte de uma lembrança enterrada nos sótãos da alma.

Tem a ver também com uma vontade de gritar enquanto ela permanece em silêncio, passiva, assistindo o amanhecer, a noite cair, o frio, o sol, as estações — sempre como expectadora de uma sequência de imagens que nunca acabam nem se renovam.

Ela se senta na varanda, diante do fim de tarde de um domingo morno — aqueles em que o céu oscila entre cinza e azul, sem vento, sem brilho, o marasmo peculiar do sétimo dia que, para descanso, é só referência.

A revista da semana está esquecida, aberta ao meio sobre a mesa branca de plástico, e já não há nada de novo para ler — ficaram velhas as notícias, quem sabe se ela mesma envelheceu ao toque de parcos dias, tal como o poeta Drummond.

Ela observa a rua do não muito alto terceiro andar. Há calmaria ao redor, nenhum ruído. A calçada está cheia de folhas confirmando que o outono é o símbolo mágico da renovação — seja como for que cada um entende tal metáfora.

Então chove. Será a chuva uma simples manifestação da natureza ou lágrimas de um ser que vive nas nuvens, embaçado pela visão de um universo caótico?

A moça divaga, faz perguntas tolas no pensamento, tenta ocupar com alguma surpresa mais um dia acorrentado na rotina. Mas não adianta: a vida parece encerrada dentro da bola de cristal que enfeita a bancada de centro da sala solitária. Para quebrar o ciclo, tem que ferir a beleza da aparência, estilhaçar vidros, romper laços, desfazer amarras, declarar guerra.
E a moça só quer viver em paz — entre flores, beijos, simplicidade. A moça só quer ser feliz...

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