segunda-feira, julho 05, 2004

Crônica do Dia: Dias de dança
Eduardo Prearo
"Os dias de dança, escassos e em si constrangedores, terminaram. A aparência está levemente tranformada. Imaturidade, insatisfação, solidão? Que impaciência para fazer fuxicos! Não ia mais à missa porque queria ser filho do fogo. Nem tudo é deprimente, nem mesmo a solidão, mais indesejada quando exposta. A relativa miséria limita sim, isso é verdade. Há vinte anos que nunca se presenciou desemprego igual. Acendo meu archote na escuridão. Poucos olham para trás; a maioria continua olhando para o fundo da caverna. Há o elã no desespero e o amor se foi, despachou-me. As baratas eram voyeurs, todo mundo tinha arma ou pelo menos dizia que tinha, os desinfetantes azedavam nos pratos, porém não houve crescimento. Não cresci. Agora fico a dançar diante do começar de novo. Ou melhor, ficava. Se fosse só eu, mas lá fora há tanta miséria, há tanta gente pedindo. Se bem que criatividade parece não faltar a esta nação.
Perseguição é palavra proibida, risível. Ninguém me persegue, eu é que sou imperfeito. Algum comentário que é espada, é merecimento, portanto do bem. Vagabundo, vagabundo, vai trabalhar, vagabundo. Não há receptividade para este olhar; Bogart faria melhor. Não há ninguém para ajudar ainda mais diante do condenável; há o desespero, suspeitas de exploração, revoltados, palavras traidoras. Prevenir é melhor do que remediar. Cabe bem esse clichê a um imaturo? Que adaptação fraca, não? O que será passado no futuro? São Paulo? Acendo meu archote na escuridão. Eu e mais dois.
Estava lendo o jornal mas acabei pondo fogo nele. E achei isso grotesco. Já pensou ser um mister em sobrevivência na selva de pedra? Ser capcioso não resolve, perder por pouco é ruim. Pela primeira vez, diviso gigantes na cidade. É de certa forma raro e maravilhoso. Gente que parece ter dado certo. Adoro essa gente. Sinto, mas tenho que correr pelos campos desertos...e naturalmente dão graças por isso ou não; poucos sabem que existo.
O crepúsculo de ontem estava magnificentíssimo: o céu cobalto-claro com cirros alaranjados pegou-me de surpresa e de certa forma o contemplei. Mas hoje chove e como! O curto-circuito não afetou somente a casa, afetou a alma. Resgata-se algo do século passado, mas o mal é novamente descoberto. Estou na chuva sentindo meu cheiro de homem. Imperdoável, é isso. Imperdoável. Agora sim nem esta maçã com mel adiantará. Invejei os cabelos masculinos, alguns, invejei os seguranças usando banheiros femininos. Aqui pareço atração de circo, disse a mim mesmo. Mas era mentira, pecado. Agora sim...agora sim também estou um palhacinho!
O requinte ainda está por vir. Acaba-se com a vida, esse desespero é terrível, o de não saber o que fazer por algum momento, o de não encontrar fé em si mesmo. Mas nada é impossível, nada. Venham crianças, venham até mim! Mas não vêm, não vou até elas, sou parte delas, temo surtos psicóticos. Enfim, atraí o que não queria, e agora é o fim, ou pelo menos parece. A televisão agora é somente um fio luminoso horizontal, alguma válvula pifou. Gostava de assistir filmes neozelandezes, onde sempre havia alguma criança traumatizada.
Problemas, todos tem. E não quero dar problemas a ninguém. Quem gosta de problemas? Adorar problemas é título de filme.
Estou quase ultrapassando os limites do lamento. A não ser que surja alguém me culpando, estou quase conseguindo. Como é-se burro, Jesus. Diz-se que até existe um muro para isso, para o lamento! Deve ser no Oriente Médio. Eu nunca deixei de perdoar ninguém, nunca tive motivos para perdoar ninguém. Sinal que ninguém nunca me maltratou. A gravidade das mágoas alheias fez-me punir-me. 26.junho.2004"

Nenhum comentário: