Brasil, 1968 – Assalto ao Céu, descida ao Inferno
Por Mário Maestri*
Em 1968, por primeira vez no Brasil, a Civilização Brasileira publicava O capital, de Kark Marx. Militantes imberbes devoravam os grossos volumes, de fio a pavio, página por página, sem compreenderem muito. Estudavam-se e debatiam-se os mínimos detalhes da revolução russa, chinesa e cubana, ainda que fosse bem menor o interesse sobre a história do Brasil, sobretudo do período anterior a 1930, durante o qual as categorias da sociologia do capitalismo não eram plenamente funcionais. Pelo país afora, discutia-se e polemizava-se duramente. O futuro estava ao alcance da mão. Abraçavam-se as nuvens, em um assalto aos céus.
1968: o ano do abalo
Porque é que em 1968 se assistiu a uma erupção abundante de tumultos, quase todos motivados por um sentido radical de recusa do existente? Partindo desta interrogação tácita, o jornalista americano Mark Kurlansky rememora, num registo solto e refinado, a história política e cultural destes doze meses que «abalaram o mundo», como sugere o título original numa alusão ao livro de John Reed sobre a revolução bolchevique de 1917.
É a realidade americana que serve de modelo de abordagem, ocupando, aliás, mais de metade dos capítulos do livro. Se isto pode parecer, à primeira vista, uma fraqueza do texto, por outro, o desenho do clima político-geracional que atravessa os territórios americanos permite dar conta de uma série de fenómenos que não deixaram de ter impacto noutros países. De facto, uma das razões da coincidência cronológica da rebeldia está precisamente na existência de uma cultura juvenil, partilhada por faixas crescentes das juventudes urbanas escolarizadas em diferentes latitudes, uma boa parte dela proveniente dos Estados Unidos da América, e que era agora difundida a larga escala pelos meios de comunicação de massa. Uma cultura juvenil difusa circulava com intensidade o que explica, de certa maneira, o apelo do New York Times na Primavera desse ano: «para aqueles que têm menos de trinta anos, Praga é sem dúvida o sítio onde se deve estar este Verão» (p.325).
1968 – Recordar, criticar, discutir
O dossier sobre 1968 que o leitor tem sob os olhos não se quer uma peça de celebração. Incentiva a recordação – direta e indireta – para chegar à crítica, e discuti-la, e vê neste tipo de abordagem a melhor forma de compreender a gesta dos tantos que pretenderam mudar o mundo ou, pelo menos, virá-lo de ponta-cabeça.
Em alguns momentos e lugares, foi possível virar o mundo de ponta-cabeça. E nesta posição ele até ficou mais interessante, e mais divertido, sem dúvida. Mas não durou muito. As forças reacionárias e cinzentas, sem contar os indiferentes, de direita e de esquerda, chegaram com seu hálito frio e prudente e puseram as coisas no lugar. Ou, pelo menos, tentaram fazê-lo.
Mas também não conseguiram.
De fato, o mundo não mais seria o mesmo.
Este foi o principal feito de 1968. As coisas não mudaram tão rápido como os mais radicais queriam. Nem tão profundamente. Mas também não continuaram as mesmas. Nunca mais o seriam.
Estudar 1968 nas múltiplas propostas e cores que assumiu. No legado que deixou. E também tentar compreender melhor a força das tradições que venceram, ao menos no curto prazo. Um programa que não pode se configurar apenas de dez em dez anos, mas se tornar uma condição permanente da pesquisa e do debate.
“68: O ano que jamais terminará”
Os Sonhadores”
(The Dreamers) Direção: Bernardo Bertolucci.
“Corações e Mentes”
(Hearts and Minds) Direção: Peter Davis.
. “Panteras Negras”
(Panther). Direção: Mario Van Peebles.
“Sem Destino”
(Easy Rider) Direção: Dennis Hooper.
“Pra frente Brasil”
Direção: Roberto Farias.
“Um convidado bem trapalhão”
(The Party). Direção: Blake Edwards.
“A confissão”
(L’Aveu) Direção: Konstantinos Costa-Gavras.
“Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita”
(Indagine su un citadino al di sopra di ogni sospetto) Direção: Elio Petri.
“A bela da tarde”
(Belle de jour) Direção: Luis Buñuel.
“Perdidos na noite”
(Midnight Cowboy). Direção: John Schlesinger.
“Vai trabalhar vagabundo”
Direção: Hugo Carvana.
“O Planeta dos Macacos”
(Planet of the Apes) Direção: Franklin J. Shaffner.
“Barbarella”
(Barbarella) Direção: Roger Vadim.
“A noite dos mortos vivos”
(Night of the living dead) Direção: George Romero.
“The Edukators”
Direção: Hans Weingartner.
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