10.12.2005 | O melhor presente que há para uma criança de algo entre 7 e 14 anos não se encontra em lojas de brinquedo ou de roupas. Está nas bancas: cinco DVDs, cada um a 29 reais, com o selo da revista “Super Interessante”. É a série “Cosmos”, lançada em 1980 na TV educativa norte-americana, PBS. Não há melhor introdução à ciência do que aqueles treze episódios narrados pelo astrônomo Carl Sagan.
Um dos grandes males atuais é a má fama que as disciplinas científicas têm nas escolas. São as matérias difíceis, as matérias chatas. Um dos resultados do mau ensino das ciências são as superstições e exacerbações religiosas que colam, as tentativas de fazer emplacar os designs inteligentes da vida. É incrível como algo tão mágico e fascinante quanto ciência é passado de forma tão burocrática nas salas de aula. Em “Cosmos”, Sagan faz tudo diferente.
Crianças que vêem “Cosmos” cedo chegam à ciência sem preconceitos, curiosas. Buscarão sempre a compreensão do mundo como ele é – sofisticado e rudimentar ao mesmo tempo, surpreendente. Há mais poesia numa molécula de DNA, uma solução aleatória e elegante, sua dupla hélice composta de quatro aminoácidos organizados de formas distintas, do que em qualquer livro sagrado. E Sagan sabe contar isso como deve, com poesia – ele é um deslumbrado com as coisas todas do mundo, um apresentador que não esconde sua paixão pelo que apresenta.
Porque “Cosmos” é talvez a melhor coisa jamais produzida para a televisão. Não é à toa que, no ano do lançamento, ganhou dois Emmys – o Oscar da TV norte-americana –, um pela melhor série informativa, outro pelo maior feito de uma única pessoa. Não é chato, basta ver o início de qualquer episódio que, repentinamente, o espectador está fisgado. Sagan vai fazendo perguntas e as respondendo conforme levanta novas dúvidas, um jogo de âncoras que tragam quem vê para dentro de seu universo.
Nenhuma criança ou adulto sai de “Cosmos” sem entender os mecanismos da Evolução Natural, a Relatividade Geral de Einstein ou o milagre do surgimento da vida. Um espectador que enfrente a série desarmado entende por que astrologia não faz qualquer sentido, por que é quase certo que existe vida fora da Terra e por que ninguém, de verdade, teve qualquer contato com os ETs. Aliás, em falando de milagre da vida, de “Cosmos” sai-se com a compreensão de que não há milagres, só a existência e suas regras, suas leis naturais numa eterna repetição de si mesmas à espera de que nós as revelemos.
Cosmos” é a respeito de ciência mas também do embate já secular entre o racional, o razoável e o tolerante, de um lado, e todos os seus opostos, uma larga gama que vai da astrologia à superstição e qualquer Deus do outro. “Cosmos” é a apresentação de uma causa – Sagan era um inimigo declarado de qualquer religião. O que há hoje, se ele conhecesse, bem pode ser descrito com o título de um de seus últimos livros: é o mundo assombrado pelos demônios.
Não há presente melhor para uma criança capaz de ler legendas: dá para entender alguma coisa desde bem jovem. Ao menos, é o presente ideal para os filhos daqueles que caminham ao lado de Carl Sagan – e estes sabem quem são.
Por Pedro Dória
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