O poeta grego Konstantinos Kaváfis, que morreu em 1933, deixou uma página intitulada "À Espera dos Bárbaros" [em "Poemas", ed. Nova Fronteira]. Num império não nomeado, anuncia-se que os bárbaros se aproximam. Os cônsules e pretores vestem-se com as togas mais finas e com as jóias mais ricas para deslumbrar os invasores. Os senadores deixaram de legislar; não vale a pena. O imperador se posta à porta da cidade, solene, coroa na cabeça, quer ser o primeiro a recebê-los. De repente, uma inquietação. As pessoas se recolhem com ar sombrio. O que teria ocorrido? "É que a noite caiu", responde alguém, "e os bárbaros não chegam. Pessoas vieram das fronteiras e dizem que não há bárbaros...". O poema conclui: "E agora, que será de nós sem bárbaros? Essa gente, apesar de tudo, era uma solução".
"Kovadloff (...) é dos que procuram exprimir, através das palavras, intuições obscuras e obsessivas", escreveu Ernesto Sabato. Através, termo justo, já que algo se desenha por trás da transparência, clara ou embaçada, de suas frases. Algo que o leitor vislumbra, aproxima, captura quase, ou vê escapar.
A editora José Olympio publicou "O Silêncio Primordial", ensaios de Santiago Kovadloff, pensador argentino. O estilo é admirável e, a tradução, excelente. Kovadloff expõe o pressuposto silencioso por trás da poesia, da psicanálise, da música, da matemática, da religião, da pintura e do amor. Pode-se nem sempre estar de acordo com alguns procedimentos de sua compreensão, mas não importa. O modo como isso é dito é o estimulante. Muito belo também.
Veja-se esta passagem sobre a carícia: "É em virtude da sua constituição que o silêncio amoroso encontra na carícia o meio adequado para a manifestação de sua melhor eloqüência. A carícia se estende sobre a amada. Na tranqüilidade inigualável de seu lento desdobramento podemos reconhecer que, com ela, se celebra uma presença sem que se caia na cega ilusão possessiva. (...) A carícia é a incomparável voz elementar do silêncio amoroso: com ela se acata e exalta o que há de inalcançável na beleza da amada. Mediante a delicadeza incomparável de sua forma, a carícia desliza sobre a pele sem confundir o que se brinda ao tato com o que se pode apreender".
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário