Vaquinhas de Estimação
Claudia Letti
(1º.março.2002)
Todo mundo conhece aquela história do psiquiatra que prescreve como tratamento a aquisição de uma vaca para colocar dentro de casa. Não há problema que não se transforme em solução, se você ousar colocar a tal da vaca para conviver com toda a família. Mas é bom prestar muita atenção, porque o verdadeiro problema mesmo, é quando a gente se apega na vaca, a tal ponto que tem a sensação de que a casa vai ficar uma tristeza só sem ela.
Na verdade, todo mundo tem a sua vaquinha bem tratada e inseparável. Acostumados estamos a assistir (ou viver) sempre o mesmo filme, e ouvir lamentações tão velhas quanto o tempo que conhecemos as pessoas que as contam. Temos uma amiga que vive um péssimo casamento. Cada vez que nos encontramos, ela conta algum fato como se fosse inédito, mas que a mim parece sempre o mesmo. Nós, suas amigas, já lhe apontamos várias alternativas, e ela mesma já comprou todos os livros que o mercado oferece como sugestão. Mas, não move um músculo para mudar a situação. Com o tempo, o casamento se transformou na sua vaquinha, e tenho cá a impressão de que essa nossa amiga trata do animal com muita consideração e apreço. Só de pensar em se desfazer dele, ela estremece.
Isso é assim com pessoas que estão infelizes no mesmo trabalho há muitos anos, ou que fazem de uma relação familiar um verdadeiro inferno, e até mesmo amizades que vivem de altos e baixos, cujo objetivo maior parece ser ter com quem, de quem, e do que reclamar. Resolvendo isso, o que será de suas vidas? Como será estar em paz a maior parte do tempo e, principalmente, que motivações serão colocadas no vazio que ocupará esse espaço?
Mas, não vamos subestimar nossas vaquinhas, algumas até de estimação. Afinal, elas são fontes de aprendizado. Tudo bem que é melhor aprender com alegria, mas já diz a letra daquela música "quando a gente está contente nem pensar a gente quer, a gente quer é viver", e talvez por isso mesmo, seja mais difícil aprender qualquer coisa em momentos felizes. Na alegria a vida passa, leve.
E também é bom separar as vaquinhas dos limões. Esses últimos são mais cotidianos, aparecem às dúzias no prazo de uma semana, e geralmente terminam em encorpadas limonadas, que descem garganta abaixo — mesmo com pouco açúcar. Já as vaquinhas são mais pesadas, complicadas de matar, exigem um certo desprendimento e muito sangue frio. É trabalhoso, mas pode valer à pena, especialmente se você anda cansado das mesmíssimas coisas e estiver disposto a mandar a vaca para o brejo. E, depois, um bom churrasco sempre pode ser providenciado.
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