Querido Ndugu,
Hoje me bateu uma saudade de meu pai tão forte que eu não pude conter as lágrimas. Se você tem um pai, não se esqueça de dar um abraço bem forte nele, todos os dias, aproveite os momentos juntos. Quando meu pai morreu, nosso relacionamento estava começando a melhorar, eu estava aprendendo a ter mais paciência com aquele homem meigo e explosivo. Por um tempo, eu tive muita raiva, por causa de minha mãe e do temperamento dele. Mas meu pai deixou uma marca que nem os 12 anos de sua morte apagaram. Eu não esqueço da última vez que o vi, a despedida no elevador, os olhos dele cheios de lágrimas, como se soubesse. Como se previsse, ele estava relembrando a morte de um colega, num acidente de carro, anos atrás. Para depois encontrar a morte na traseira de um caminhão, na estrada para Mossoró.
Talvez tudo isso me tenha vindo à memória por causa do livro que encontrei. "Lanterna Mágica", um livro auto-biográfico de Ingmar Bergman. Dentro a dedicatória: "Marília, decidi-me por Bergman, achei mais parecido com você. Um beijo." Ele assinou uma rúbrica quase ilegível, em 30 de março de 1990. Um dia depois de meu 22º aniversário. Não lembro bem, acho que tinha pedido uma biografia de Truffaut ou Kurosawa. No ano seguinte, ele morreu. Eu tinha um diário onde escrevia de tudo um pouco, mais sobre mim, minhas dúvidas, minha rotina... e nele estavam todas as minhas recordações sobre essa última semana santa que papai passou conosco, em Natal. Alguns meses depois, eu estava em uma estação de trem em Frankfurt e alguém roubou minha mochila. Dentro, estava esse diário. Então, esse ladrão roubou um pedaço de minha vida. Embora eu me lembre, com uma nitidez mórbida, do rosto inchado de meu pai dentro de um caixão.
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